Tão
simples e natural quanto o processo de produção que lhe dá vida, assim é
o Vinho de Talha. Com os seus dois mil anos de história no Alentejo, o
Vinho de Talha não precisa de prensa nem de lagares fechados, como já
assim notava o agrónomo António Augusto de Aguiar, em 1876. Na Adega
Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito privilegiamos este saber fazer
natural e milenar.
Acabados de chegar à Adega, os cachos de uva das castas mais
tradicionais, e provenientes das vinhas centenárias dos nossos
associados, são libertados dos engaços e esmagados.
Estas
massas vínicas são, de imediato, colocadas dentro das talhas de barro,
onde cerca de 24 a 48 horas depois se iniciará um processo de
fermentação espontânea. Durante a vinificação, que decorrerá num período
entre 10 a 15 dias, será necessário, diariamente, quebrar a “manta” que
se vai formando à superfície (ou na “boca”) da talha. Assim, de manhã e
à tarde, sobe-se à “burra” (escadote de madeira) e com recurso a um
rodo de madeira, em forma de T, a massa é “mexida”, o que permite
mergulhar as películas e grainhas das uvas no mosto, garantindo a
extração dos componentes essenciais à libertação de aromas e sabores
próprios de um bom Vinho de Talha.
De
forma a manter o ambiente o mais fresco possível e controlar a
temperatura de fermentação, que deverá rondar entre 17º e 18º,
aproveita-se a porosidade oferecida pelo barro, que é humedecido
diretamente com água várias vezes por dia. Também se coloca sarapilheira
ou panos humedecidos à volta das talhas.
Terminado
o processo de fermentação/vinificação, será necessário aguardar ainda
mais algumas semanas até a parte sólida dos cachos e alguns (poucos)
engaços se depositar no fundo da talha. Esta massa será vital, pois vai
permitir a filtragem natural do vinho, quando as talhas forem abertas –
um acontecimento que, no Alentejo, por tradição, costuma decorrer nas
festas de São Martinho, a 11 de novembro.
Nessa
ocasião, quando a fermentação já terminou e o vinho já repousou algumas
semanas em contacto com as massas vínicas sólidas, é retirado do
orifício da talha o batoque (rolha de cortiça) e colocada uma torneira a
vedar esse mesmo orifício, existente a 30 centímetros do fundo da
talha.
Se, nas tabernas, o Vinho de Talha está pronto a ser consumido – bastará
agora abrir a torneira e servi-lo copo a copo -, na Adega, a talha será
esvaziada para alguidares de barro. O vinho será, posteriormente,
armazenado numa talha limpa até ser engarrafado no início do ano
seguinte.
Durante este período de
descanso, o Vinho de Talha incorporará aromas e sabores complexos, ainda
que nunca perca a sua simplicidade natural – para gáudio dos
apreciadores que, daí a alguns meses, já poderão degustá-lo a partir de
garrafas e comprovar assim a sua elevada e superior qualidade.
Na Adega, contudo, o processo não termina aqui. Ao longo do ano, o
trabalho não para, para garantir a qualidade da colheita seguinte. A
começar pela limpeza das próprias talhas que, quando ficam sem vinho,
necessitam que as massas que ficaram depositadas no fundo sejam
retiradas manualmente com o apoio da “escudela”. Isto implica
inevitavelmente que uma pessoa entre para o interior das talhas para
conseguir concretizar esta tarefa, tal como faziam os romanos.
Na
verdade, neste processo artesanal de fabrico de vinho, a preparação das
talhas é uma tarefa essencial. Em pleno verão é altura de fazer a
chamada “pesgagem” ou impermeabilização das talhas, que se desenvolve em
cinco diferentes fases. 1) A talha é colocada de boca para baixo,
assente em quatro pedras, entre as quais se faz uma pequena fogueira; 2)
Enquanto isso, derrete-se num tacho pez loiro (resina de pinheiro às
vezes misturado com cera virgem de abelhas) em quantidade suficiente
para barrar a vasilha; 3) Ao fim de umas horas de fogo, a talha já está
suficientemente quente, pelo que se deita na horizontal lançando-se no
seu interior o pez derretido; 4) A talha é então rebolada cuidadosamente
por vários homens de forma a que o pez se distribua por igual no seu
interior, com a ajuda de um utensílio improvisado, um bocado de cortiça
espetado na ponta de uma vara); 5) Antes do pez solidificar, e portanto
ainda com ele mole, alisa-se o interior da talha até ficar como que
“forrada” por uma espécie de capa de polimento.
Este processo garante ao vinho uma chegada adicional de aromas e sabores particulares.
Como ritual ancestral, a produção de Vinho de Talha está profundamente
enraizada na cultura das gentes da nossa região alentejana. Na Casa das
Talhas, queremos que faça parte desta tradição milenar e que descubra as
raízes do Alentejo e do seu vinho.